política está em crise. Mas a política aos moldes do Século XX: corporativa, populista, demagógica, analógica. A sociedade, de celular nas mãos, mais informada e atenta, já não se satisfaz com discursos pérfidos ou fantasiosos, de estribilhos repetitivos e ideológicos: exige resultados pragmáticos - em seu favor.
Os políticos, também “analógicos”,
com os pés e as mentes atados aos seus ultrapassados e cediços “currais”,
ainda moldados nas formas do século passado - e perante os quais o povo
não passa de reles “gado” ou de “manada de imbecis” -, reclamam das redes
sociais, acusam-nas de fake news, como se outrora a mentira,
travestida de “verdade”, não fosse a própria substância dos tradicionais
e aparelhados meios de comunicação de massa - sempre facciosos e
partidários em seus apoios - e suas próprias trajetórias e carreiras públicas
não resultassem de uma grande enganação, vendida como ilusão à
população.
Perda de controle
Fato é que os políticos perderam o
controle da informação e da comunicação. Eis o “drama”! Já não podem
viver (e sobreviver), impunes, nas convencionais “bolhas” dos gabinetes e
salões de Brasília, de costas para o País. Desacostumados em ser
representantes do povo - papel que, via de regra, nunca
cumpriram -, são agora observados e cobrados diuturnamente, em tempo
real, por seus eleitores e pela sociedade em geral, sem trégua ou
armistício. Sentiram a ameaça do mundo virtual e reagem às suas engrenagens,
aspirando a disfarçados mecanismos de censura - como se isso fosse
possível numa sociedade aberta, conectada em rede -, ao invés
de internalizar as mudanças em curso, permitindo-se uma revisão honesta da
própria mentalidade e do correspondente comportamento político,
adaptando-os aos novos tempos.
Fim do arcaísmo
Decerto, o tempo conspira contra o
arcaísmo do populismo demagógico. As novas tecnologias expõem em “praça
pública” virtual, em tempo real - como numa “ágora pós-moderna” -,
os vícios e as virtudes de cada governante ou parlamentar: seus atos e
intenções, posturas e ideias, contradições e idiossincrasias. Até juízes
são julgados instantaneamente em suas decisões, dia após dia, à contrapelo
dos primitivos esconderijos intangíveis dos “supremos” tribunais -
dessacralizadas, ademais, as corroídas e defectíveis togas, doravante
exibidas, online, na tessitura de seu carcomido
avesso.
As novas tecnologias de informação e
comunicação (TICs) ejetam as obsoletas instituições políticas no lodaçal
da crise, “liquefazendo” os seus costumeiros agentes. Seus formatos
e dinâmicas já não atendem aos novos anseios da sociedade, restando
caducos, em consequência, o seu desempenho e funcionalidade. Em paralelo,
desmorona, premida pela avalanche digital dos algoritmos, a velha cultura
do mando, cada vez mais descartável em seus desgastados e obsoletos
estilos e propósitos.
Berlinda virtual
Tornam-se condenados, assim pois, na
insurreta e “ameaçadora” blogosfera bravia, os últimos “caciques” e
“coronéis”; enquanto que as tradicionais agremiações partidárias perdem a
“aura” de pretensa exclusividade da representação popular e de sua
fictícia “autenticidade”. Agora, na berlinda virtual, sob as luzes
incandescentes dos holofotes do franqueado tribunal online, sem
crédito e legitimidade, os partidos veem derreter os convencionais estratagemas
de ludíbrio das significativas parcelas outrora alienadas do universo de
votantes, daqui em diante desvencilhadas e libertas dos antigos grilhões
do destroçado cativeiro eleitoral.
Mudaram os ventos; transfiguraram-se
as formas; implodiram as velhas estruturas. Nas próximas décadas,
antecipando-se novamente à política, é provável que mais (e
intermitentes) revoluções tecnológicas - a exemplo da internet - se
precipitem, como avalanches, sobre as sobreviventes e derradeiras
instituições vintistas, reduzindo-lhes, inapelavelmente, o que ainda lhes
resta do tempo de vida útil e tornando, consoante inevitável sequela, tudo
ainda mais fluido, movediço, liquefeito.
Ante todo esse tsunami civilizatório,
de contornos exponencialmente voláteis, em que tudo que é sólido se
desmancha no ar, há de se inquirir, ao fim e ao cabo, se o quadro que se
delineia no horizonte do imprevisível devenir prenuncia
uma moldura mais positiva e esperançosa ou, ao invés, uma cercadura
implacável e prevalentemente negativa para o futuro da humanidade?
Senhor do destino
Na mesma perspectiva, interrogar -
ainda com um arroubo de fé (ou fantasia) - se não seria esse ciclo que se
avizinha potencialmente mais democrático e republicano, em sua forma
e conteúdo, que os desgastados paradigmas hodiernos em vigência, em
visível disfuncionalidade e obsolescência? Afinal de contas - pode-se
arguir -, não é princípio basilar da democracia (com endosso de crença
iluminista) que o poder “emane do povo” e que seja ele, efetivamente - agora
facilitado pelo uso das novas tecnologias -, o soberano direto, sem
intermediação, de seu próprio destino?
Réquiem político
Vive-se, por certo, uma encruzilhada
civilizatória. A modernidade ingressou em uma nova etapa de sua evolução,
em que os cardeais pilares de sua sustentação - a ciência e a tecnologia -
alcançam desempenhos inauditos, acarretando “abalos sísmicos” na ordem social e
política, outrora inimagináveis.
Pelos impactos das novas invenções e
inovações, democratizadas em seu acesso e manuseio, a política
tradicional, de feições basicamente domésticas e corporativas (e de espírito
elitista), entrou em irremediável corrosão. Seus atores típicos perderam o
controle absoluto dos fatos, da vontade popular, da hegemonia da
mobilização. Já não conseguem fornecer - nem reinventar - visões
significativas de futuro, desnorteados em seu corporativismo, comprimidos em
sua autofagia, putrefatos em seus propósitos. Não representam mais (quase)
ninguém. Ao som de um réquiem, já plenamente audível e, terminantemente,
ensurdecedor, resistem em admitir o sonoro anúncio de seu inexorável
fenecimento, previsto, a contragosto, na cronologia das incomplacentes
mutações, para muito em breve.
Paradoxalmente, justo no alvorecer do
Século XXI, em plena Era do Globalismo e do Conhecimento, a política está
desprovida de utopias, de grandes visões, de narrativas humanistas - e
rejuvenescedoras. O volume, o fluxo e a velocidade dos bits parecem
impedir a consolidação de qualquer Weltanschauung (concepção
de mundo) inovante e libertadora. Governantes e parlamentares estão
sobrecarregados de dados, sem conseguir processá-los, muito menos domá-los
ou confirmá-los - tampouco refutá-los. Quiçá, pelo impositivo imediatismo
e pela demolidora falta de tempo (e de perspectiva), pensam numa escala
muito menos larga - e mais pobre - de ideias e ideais que seus
predecessores de séculos passados, reduzidos à esterilidade de suas
motivações, compromissos e utopias.
“Gaiola de ferro”
Com efeito, a renovação das
estruturas, exigida pelos desafios pendulares do tempo histórico - máxima
eficiência, maior representatividade, mais legitimidade -, supõe uma
correspondente e radical metamorfose cultural de época; no limite, uma
revolução na mentalidade dos atores sociais (e de suas lideranças
políticas), sem o que o “choque de civilização” em curso, de tanta
racionalidade engendrada, ao invés de libertar o homem de suas rotineiras e
embaçadas vendas - projetando-o num patamar mais evoluído de sociabilidade -,
pode vir a condená-lo ao sombrio e definitivo destino da “gaiola de ferro”,
previsto pelo célebre pensador alemão Max Weber, no início do Século XX -
só que agora sem portas e sem janelas, isolado na kafkiana solitária da
própria insignificância.
Sim, os fundamentos e os vínculos da
sociabilidade moderna estão se transmutando com inusitada velocidade - e, em
paralelo, aqueles da economia e da política. Tudo se “liquefaz” - nos
termos do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Mesmo o socialismo, que estava
“atualizado” cem anos atrás, esquecendo-se por completo das lições do “velho”
Marx sobre o papel das forças produtivas,
enveredou pelo caminho da obsolescência e da farsa, perdendo o
bonde da história e a capacidade de autocrítica e renovação.
Adeus às ilusões
Todos os sistemas políticos, aliás, sem
exceção, do comunismo ao liberalismo, estão afundando em suas águas turvas,
dando as últimas braçadas contra a maré intempestiva do destino, simetricamente
relutantes ao crescente e indomável protagonismo da racionalidade tecnológica e
de seus ingovernáveis desencaixes e encadeamentos. Mesmo a força carismática
das religiões parece ceder espaço à acomodação reativa e conformista de seus
adeptos, mais preocupados em manter a retaguarda intacta das tradições que em
assimilar os novos e perturbadores sinais dos tempos, ameaçadores de sua
costumeira e indefectível “zona de conforto” - como se o homem
pudesse, ainda, encontrar onde repousar a cabeça, na contramão dos esquecidos
ensinamentos do próprio Cristo.
Quem sabe, em consequência da falência
da ultrapassada mentalidade política em vigência, desgovernada
em seu ruinoso percurso de discórdias, alheamento e mediocridade, o novo
“contrato social” em gestação, nesse “admirável (e globalizado) mundo novo”,
não mais seja firmado entre homens de carne e osso, como no passado, mas entre
impassíveis e gélidos robôs de última geração,
programados - como hackers da humanidade - para o cumprimento
dessa específica e distintiva finalidade,
ante a ausência de autênticas lideranças e genuínos estadistas, “espécimes
em extinção”... Quem sabe?!
Fato é que, cumprindo-se ou não tão
desditosa (e indesejável) profecia, e frente a esse turbilhão efervescente de
inaudito e pavoroso panorama, de destino incerto e fantasmagórico, só
restará aos últimos (e alienados) “políticos”
em cena o lancinante castigo do desprezo total da sociedade
e do suspiroso (e desprezível) lamento ad aeternum, de vez que,
tardiamente surpreendidos em sua condição manifesta
de pigmeus mentais, não se aperceberam, em tempo hábil,
de sua anunciada e assombrosa inutilidade - já mortos em seus psicopáticos, autocentrados
e ilusórios selfies.