Mensagens trocadas por militares vinculados à Presidência da República,
obtidas pela CPMI do 8 de Janeiro, sugerem que o ex-presidente Jair Bolsonaro
(PL) e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro receberam um envelope e uma caixa
com supostas pedras preciosas na cidade de Teófilo Otoni, no ano passado. A
troca de e-mails indica também que os presentes não teriam sido cadastrados
oficialmente.
O Estadão teve acesso a dois e-mails trocados pelos primeiros-tenentes do
Exército Adriano Alves Teperino e Osmar Crivelatti e pelo segundo-tenente da
Força Cleiton Henrique Holzschuk. Os três foram ajudantes de Ordem da
Presidência da República durante o governo Bolsonaro. Crivelatti era braço
direito do tenente-coronel Mauro Cid - 'faz-tudo" do ex-presidente e preso
desde maio por inserção de dados falsos de vacinação da covid-19 no sistema do
Ministério da Saúde.
Os dois e-mails são intitulados "Passagem do Serviço Coordenação AJO/PR.
Observações eventuais". As duas mensagens são listas numeradas com
detalhes das atividades que os militares deveriam cumprir. A CPMI obteve trocas
de e-mails entre 26 de outubro e 11 de novembro do ano passado.
A mensagem de 27 de outubro, às 18h21, é assinada pelo então coordenador administrativo
da Ajudância de Ordens da Presidência da República, Cleiton Henrique Holzschuk.
O militar envia os afazeres aos dois colegas. O item de número 36, intitulado
"Presente PR", trata das supostas pedras.
"Em 27/10/2022, foi guardado no cofre grande, 01(um) envelope contendo
pedras preciosas para o PR (presidente da República) e 01 (uma) caixa de pedras
preciosas para a PD (primeira-dama), recebidas em Teófilo Otoni em 26/10/2022.
A pedido do TC Cid, as pedras não devem ser cadastradas e devem ser entregues
em mão para ele. Demais dúvidas, Sgt Furriel está ciente do assunto",
indica o e-mail.
O e-mail de 31 de outubro, às 18h58, é assinado por Osmar Crivelatti. Nesta
mensagem, as "pedras preciosas" são tratadas no item 24 da
"passagem de serviço", o que indica que outros afazeres que constavam
da lista já haviam sido finalizados.
Bolsonaro esteve na cidade mineira em 26 de outubro do ano passado, durante o
2º turno da campanha eleitoral contra o atual presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT). Naquela data, o então presidente discursou durante um comício, ao
lado do pastor Silas Malafaia e do governador de Minas Gerais, Romeu Zema
(Novo).
Crivelatti é, atualmente, um dos assessores pessoais de Bolsonaro. O militar
entregou à Polícia Federal (PF) as armas que o ex-presidente recebeu dos
Emirados Árabes Unidos com o advogado Paulo Cunha, que representa Bolsonaro. As
mensagens foram obtidas pela CPMI do 8 de Janeiro na caixa de e-mails deletados
do militar, que não havia apagado os itens deste canal
A existência do e-mail foi revelada pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ),
durante sessão da CPMI do 8 de janeiro na terça-feira, 1. A parlamentar
declarou que havia obtido a informação sobre as "pedras preciosas"
após análise de "mil e-mails" que haviam chegado à comissão.
"Essas pedras nunca foram registradas nem como presente ao presidente da
República e à primeira-dama nem em lugar nenhum", afirmou Feghali.
A deputada declarou ao Estadão nesta quarta-feira, 2, que requereu a convocação
de Osmar Crivelatti e de Cleiton Holzschuk, que assinam as mensagens. Feghali
disse que vai denunciar o caso ao Tribunal de Contas da União (TCU), ao Supremo
Tribunal Federal (STF) e à Polícia Federal (PF).
"Ele era presidente à época, então, presta contas ao TCU", disse
"Pedimos a quebra de sigilo da Michelle, do Bolsonaro e a movimentação do
Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) dos dois. Importante
saber o volume de recursos que circularam. "
Presentes
O procedimento de praxe para presentes recebidos por qualquer presidente da
República começa com um cadastro. Os bens ficam sob responsabilidade da
Diretoria de Documentação Histórica, que faz parte do gabinete da Presidência.
O órgão analisa o que vai para o acervo pessoal do presidente e o que deve ser
incorporado ao patrimônio da União - e só o que vai para esse segundo grupo tem
seu valor avaliado. A listagem não possui o valor dos bens.
Bolsonaro recebeu mais de 19 mil itens enquanto esteve na Presidência da
República. A lista oficial de presentes recebidos por ele indicam que, em
Teófilo Otoni, o então presidente ganhou uma placa do Sindicato Rural da
cidade, um quadro e o livro "Cinco minutos com Jesus", de apoiadores,
e um item de consumo da Indústria e Comércio Mate Cola LTDA.
Joias
Como o Estadão revelou em março, o governo Bolsonaro tentou entrar ilegalmente
no Brasil, em 2021, com um conjunto de colar, anel, relógio e um par de brincos
de diamantes da marca Chopard, de valor milionário. Segundo declarações
iniciais, tratava-se supostamente de um presente do governo da Arábia Saudita
para o então presidente e para a ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
O tenente da Marinha Marcos André Soeiro, ex-assessor de Bento Albuquerque,
almirante de esquadra da Marinha que atuava como ministro de Minas e Energia,
foi o responsável por tentar entrar com as joias no País, apreendidas no
Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.
Procurada, a assessoria de Bolsonaro ainda não havia se manifestado até a
publicação desta matéria.
Fonte: Estadão conteúdo
Foto: Alan Santos/PR/Agência Brasil