Em meio a uma
disputa judicial, críticas ao governo e temor de danos à reputação, empresas
com mais de 100 funcionários correm contra o tempo para preencher e publicar os
relatórios de transparência salarial, com dados dos pagamentos para seus
funcionários. Elas são obrigadas a divulgar as informações até domingo, 31,
conforme previsto na Lei 14.611, de julho de 2023, conhecida como Lei de
Igualdade Salarial, que prevê que mulheres e homens que exerçam a mesma função
recebam a mesma remuneração.
A obrigatoriedade da entrega do relatório estava suspensa desde o dia 22,
quando a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) conseguiu
uma liminar na 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), em
Belo Horizonte. Na terça-feira, 26, porém, a liminar foi derrubada, levando a
uma corrida para finalizar as declarações. A Fiemg informou que vai recorrer da
decisão.
As empresas que não prestarem as informações, em sites ou redes sociais
próprias até o fim do prazo, precisarão pagar multa de 3% do valor de sua folha
salarial, limitada a um teto de 100 salários mínimos, ou seja, R$ 141,2 mil.
No feriado de Páscoa e no fim de semana, a Justiça funciona em regime de
plantão. Com a queda da liminar que garantiria, no mínimo, o adiamento da
publicação das informações, algumas empresas buscaram ações próprias na
Justiça. Entre elas estão as redes de drogarias São Paulo e Pacheco.
Além disso, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), responsável por receber
os dados, divulgou uma nova versão do relatório apenas na noite da
quarta-feira, 27. Segundo a subsecretária de Estatísticas e Estudos do
Trabalho, Paula Montagner, em nota, as inclusões de informações na nova versão
partiram de sugestão das próprias empresas. Em alguns dos relatórios, foram
encontradas pelas empresas divergências entre o CNPJ do estabelecimento e o
número informado pelo governo.
Apesar de as alterações terem sido consideradas pela Fiemg como "uma
evolução que reduz os riscos para funcionários e empresa", a entidade
afirma que o relatório "ainda expõe empresas e pessoas a riscos
desnecessários, que podem ter seus dados divulgados". Foram acrescentadas
informações para políticas de ampliação da diversidade e informações sobre o
critério de proatividade.
A reportagem procurou os ministérios do Trabalho e Emprego e o das Mulheres,
mas não obteve resposta.
"Quem publicou a versão antiga vai precisar fazer uma atualização, porque
o novo relatório apareceu apenas no último dia antes do feriado, e as empresas
que adiantaram a divulgação podem estar com a equipe já de folga e sem saber
das mudanças", afirma o advogado Domingos Fortunato, sócio da área
trabalhista do escritório Mattos Filho.
As empresas também esperam o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) de
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a lei, movida pela Confederação
Nacional da Indústria (CNI). No entanto, o caso que está com o ministro
Alexandre de Moraes, que não acatou pedido de liminar, deve ser avaliado apenas
em meados de abril, em plenário, depois do prazo de entrega.
"As empresas estão se dividindo em fazer quatro corridas diferentes. Elas
escolhem entre publicar como o governo pediu, publicar junto com uma nota
explicativa para tratar de eventuais discrepâncias entre relatório e dados
próprios mais atualizados, judicializar a questão ou simplesmente não publicar
nada e aguardar a decisão do STF", diz Fortunato.
Para as empresas de maior porte, a multa de até R$ 141,2 mil acaba não tendo um
grande impacto financeiro e justificaria evitar riscos para a imagem, caso uma
informação de uma diferença salarial grande entre homens e mulheres, e entre
brancos e negros, seja exposta.
Reclamações das empresas
A Fiemg afirmou que vai recorrer da decisão da presidente do TRF-6,
desembargadora federal Monica Jacqueline Sifuentes, que suspendeu a liminar.
"Estamos defendendo a sociedade, para evitar que seus dados sejam expostos
e usados para meios indevidos. Não entendemos o sentido de publicar dados
específicos de renda, tanto de homens quanto de mulheres", afirmou o
presidente da Fiemg, Flávio Roscoe, por meio de nota.
"Defendemos a meritocracia, sim, para ambos os gêneros, e defendemos a
igualdade para todos, independente de gênero, raça, idade. Estamos confiantes
de que vamos obter êxito no final de todas essas demandas judiciais."
Um dos primeiros questionamentos levantados pela obrigatoriedade de publicar os
dados salariais é se poderia ferir o princípio de direito ao sigilo quanto à
remuneração, à Lei Geral de Proteção de Dados ou se poderia trazer um risco
concorrencial, uma vez que a estrutura de custos de uma empresa poderia ser
exposta para concorrentes.
No entanto, segundo especialistas, essas preocupações diminuíram depois do
conhecimento sobre o conteúdo do relatório, que não inclui informações sobre
valores em reais, mas, sim, diferenças salariais em porcentagens.
Outras reclamações envolvem a qualidade dos dados divulgados. Parte das
informações são retiradas de dados já prestados pelas empresas para o e-Social
de 2022, sendo que dados do ano passado já estão disponíveis e são mais
atualizados.
"As informações que estão vindo com dados de 2022 acabam criando uma
distorção muito grande para as empresas, porque não são atualizadas" diz o
advogado Cristian Divan Baldani, sócio da área trabalhista do Veirano
Advogados.
"Além disso, não levam em consideração os critérios para pagamentos de
salários diferentes e são classificadas em grupos muito grandes da
Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). É um pouco complicado por não
endereçar a peculiaridade de cada empresa. Ficou muita incerteza, muita
insegurança, por que a publicação de uma informação pode criar um dano
reputacional para as empresas."
Os dados prestados são separados em cinco categorias de CBO: dirigentes e
gerentes, profissões e ocupações de nível superior, técnicos de nível médio,
trabalhadores de serviços administrativos e trabalhadores em atividades
operacionais. As empresas reclamam que, dessa forma, não são separados os
salários de departamentos diferentes, que podem ter grande diferença de
remuneração ou não considerados os critérios de senoriedade e meritocracia.
"Há discussões de como a metodologia adotada agrupou as informações. São
agrupamentos superamplos da CBO, e as informações de 2022 não refletem a
realidade de hoje", afirma o advogado Mauricio Guidi, sócio da área
trabalhista do escritório Pinheiro Neto Advogados.
"Temos dito aos clientes que, antes de buscar uma liminar, é melhor olhar
se não há erro de informações ou no CNPJ. Discutir o mérito da lei é difícil. É
uma questão legítima, e está declarado na Constituição que tem de se buscar a
igualdade. Essa prestação de informações deve ser a primeira de uma série de
medidas de uma grande política."
As empresas terão de atualizar as informações semestralmente, segundo a nova
lei. A igualdade já estava prevista na Constituição, mas o cumprimento das
regras não era fiscalizado. A partir de agora, o MTE fará o que chama de
"relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios"
com base nos dados do e-Social, que são informados regularmente pelas empresas.
Eles incluem, de forma anônima, o valor da remuneração de cada funcionário,
salário contratual, 13.º salário, gratificações, comissões, horas extras,
adicional noturno e até gorjetas.
Em evento na segunda-feira, 25, os ministérios do Trabalho e Emprego e das
Mulheres apresentaram o 1º Relatório Nacional de Transparência Salarial e de
Critérios Remuneratórios. Ele foi elaborado a partir dos dados do e-Social, da
Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2022 e das informações
preliminares dos relatórios, enviadas por 49.587 empresas que responderam ao
MTE até 8 de março.
Esses dados iniciais mostravam que as mulheres ganham 19,4% a menos que os
homens no Brasil, sendo que a diferença varia de acordo com o grupo
ocupacional. Em cargos de dirigentes e gerentes, a diferença chega a 25,2%.
Fonte: Estadão conteúdo
Foto: Freepik
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