O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva bloqueou a liberação
de recursos públicos para a educação básica, alfabetização de crianças,
transporte escolar e bolsas de estudo na mesma semana em que lançou um programa
de ensino em tempo integral. A decisão atraiu críticas e cobranças ao ministro
da Educação, Camilo Santana.
A tesourada no Ministério da Educação soma R$ 332 milhões e mexeu em várias
ações tocadas pela pasta. O valor atingiu principalmente a educação básica (R$
201 milhões), incluindo todo o recurso programado para o desenvolvimento da
alfabetização (R$ 131 milhões) nessa área, conforme levantamento da Associação
Contas Abertas com dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento
(Siop).
Também foram atingidas verbas para a compra de veículos do transporte escolar
(R$ 1 milhão) e bolsas de pesquisa no ensino superior (R$ 50 milhões).
O bloqueio significa que o dinheiro só vai ser liberado se o governo verificar
que não há risco de descumprir o teto de gastos, regra fiscal em vigor, e não é
possível afirmar quando isso vai acontecer. Na prática, as escolas ficam sem a
garantia de receber todo o repasse esperado.
A decisão foi tomada por decreto no último dia 28. Na última terça-feira (1),
um dia depois de Lula sancionar o projeto da escola integral, o corte já estava
feito no MEC. Bloquear recursos do Orçamento é uma forma de evitar um furo nas
contas públicas, conduta que pode até acabar em impeachment do presidente. A
conta é matemática, mas o governo escolhe quais áreas serão atingidas quando
precisa controlar o caixa.
"O ideal seria que os cortes ocorressem em despesas como passagens aéreas,
diárias, locação de imóveis, nas férias de 60 dias do Judiciário, nos super
salários, na quantidade de assessores dos parlamentares e outras, mas esses
cortes ou não têm escala suficiente para os ajustes necessários ou são tidos
como inviáveis politicamente", afirmou o secretário-geral da Associação
Contas Abertas, Gil Castello Branco.
A escola em tempo integral é a principal aposta do Ministério da Educação
atualmente, após o governo ter revogado o programa de escola cívico-militares.
A pasta anunciou que pretende incluir 3,2 milhões de estudantes no plano até
2026. O bloqueio significa que as escolas ainda devem receber o dinheiro para o
ensino integral, mas podem não ter todos os recursos que esperavam para outras
despesas.
"A educação mais uma vez está com a corda no pescoço. Para que as
plataformas de alfabetização e educação em tempo integral de fato sejam
realidade, o orçamento precisa ser integral e recomposto", disse
Alessandra Gotti, doutora em Direito Constitucional e presidente-executiva do
Instituto Articule. "Não se sabe quando a situação vai ser equacionada e
esse tipo de corte revela muito a prioridade que se dá."
Procurado pela reportagem, o ministério encaminhou uma entrevista dada pelo ministro
Camilo Santana ao portal UOL na quarta-feira, 2. O chefe da pasta afirmou que o
bloqueio não afeta o programa de ensino integral e espera mais recursos para a
educação em 2024, com a aprovação do arcabouço fiscal. O MEC não respondeu,
porém, como ficarão as áreas afetadas e como pretende recompor a verba.
Bloqueio atinge emendas de bancada
Dentro do bloqueio feito na educação, o ministério optou por segurar a
liberação de R$ 155 milhões em emendas de bancada, recursos indicados pelo
conjunto de parlamentares de um mesmo Estado. Esse tipo de verba é de interesse
direto dos deputados e senadores e é negociado com as bases eleitorais. O
bloqueio mexe com 15 bancadas estaduais e acontece justamente no momento em que
o presidente Lula negocia entregar mais ministérios e cargos para o Centrão em
troca de apoio político no Congresso.
A decisão foi criticada pelo presidente da Comissão de Educação da Câmara,
Moses Rodrigues (União-CE). Deputados preparam um pedido de convocação do
ministro para explicar a situação. O assunto deve ser discutido pelos deputados
na semana que vem. "O que está no Orçamento já é o mínimo do mínimo e,
quando você corta, traz um prejuízo muito grande para a educação. A nossa
expectativa é que os recursos possam retornar", afirmou Rodrigues.
O coordenador da bancada de Minas Gerais, deputado Luiz Fernando Faria
(PSD-MG), principal impactada, afirmou que a decisão gera insegurança para
instituições de ensino que esperam os recursos, mas acredita que o dinheiro vai
ser liberado até o fim do ano. O governo segurou R$ 51 milhões indicados pelo
grupo mineiro para institutos e universidades federais no Estado. "Gera
uma insegurança. Os reitores, as universidades e os institutos ficam todos
inseguros."
Fonte: Estadão Conteúdo
Foto: David Alves/Agência Pará