Desde que assumiu o lugar de Joe Biden como candidata pelo partido
Democrata às eleições dos Estados Unidos, Kamala Harris tem conseguido
diminuir a distância com Donald Trump em todas as principais pesquisas
de intenção de votos. Se antes o cenário era de uma vitória quase certa
de Trump sobre Biden, agora o resultado é cada vez mais incerto e há
sondagens que indicam vantagens da democrata que, por enquanto, vive uma
"lua de mel" com seus potenciais eleitores.
Em mais de um agregador de pesquisas, Kamala assumiu a liderança nas
intenções de votos, ainda que esteja dentro da margem de erro. Uma
posição que Biden nunca teve sobre o republicano. Esse fôlego é muito em
razão de um entusiasmo que sua candidatura trouxe a eleitores
democratas que não se sentiam engajados o suficiente para votar em
Biden. A questão é o se este entusiasmo dura até novembro e se ele vai
se traduzir em participação eleitoral.
Apesar de a eleição americana nem sempre ser decidida no voto popular,
mas sim no colégio eleitoral, onde vitórias em determinados Estados
definem o vencedor, as pesquisas nacionais costumam indicar tendências.
Segundo o site Real Clear Polling, que reúne e tira a média de dez
pesquisadoras americanas, Kamala tem hoje 47% contra 46,8% de Trump, uma
vantagem de 0,2% percentuais. Até então, apenas Trump despontava na
frente, chegando a marcar 3,3 pontos a mais que Biden em 5 de julho,
dias depois do debate que enterrou as chances do democrata.
E outro agregador, o site Thirty Five Eight, Kamala aparece com 45,1%
contra 43,4% de Trump, uma vantagem de 1,7 pontos percentuais.
"Já estava claro nas pesquisas que havia uma parcela significativa do
eleitorado que era double haters, que não estava satisfeito com nenhum
dos dois candidatos", explica o professor associado do Berea College do
Kentucky, Carlos Gustavo Poggio.
"Havia uma diferença muito grande de entusiasmo entre a campanha
republicana e a campanha democrata. Os democratas não estavam
entusiasmados com o Joe Biden, isso mudou com a substituição pela Kamala
Harris. As pesquisas indicam que agora as democratas estão ainda mais
entusiasmados que os republicanos estão com o Donald Trump, então isso
mexeu bastante com a base", continua.
Virada no colégio eleitoral é possível?
Nos Estados-pêndulo, Kamala também dá indícios de reversão de tendência.
Segundo levantamento da Bloomberg News/Morning Consult publicado em 30
de julho, sobre a média dos principais Estados decisivos, Kamala aparece
com 48% contra 47% de Trump. No Arizona a democrata tem 49% contra 47%
do republicano. No Michigan ela lidera com 53% contra 42% de Trump. A
democrata também aparece à frente em Nevada e Wisconsin.
Já Trump lidera na Pensilvânia com 50% contra 46% de Kamala, e na
Carolina do Norte com 48% contra 46% da democrata. Com isso, novamente o
Estado-chave para as eleições deste ano pode ser a Geórgia, onde ambos
aparecem empatados com 50%. Em 2020, a Geórgia selou a vitória de Biden
contra o republicano.
Ainda que esteja mostrando tendência de mudanças, a campanha democrata
terá de trabalhar mais para reverter o cenário favorável de Trump no
colégio eleitoral. De acordo com o site 270 to win, que faz previsões de
votos de delegados, o republicano ainda tem vantagem com 219 delegados
dos 270 que necessita para vencer. Kamala tem 208.
"O cenário que vemos é um muito parecido com 2016, em que a Kamala
ganharia no voto popular, como a Hillary ganhou, mas por conta do
colégio eleitoral haveria possibilidade de o Trump vencer, então é
realmente uma eleição muito empatada e vai decidir muito na mobilização,
quem que vai realmente votar", afirma a professora de política
internacional da Unifesp, Cristina Pecequillo.
Entusiasmo
Antes mesmo de se tornar oficialmente a substituta de Joe Biden, Kamala
já havia caído no gosto dos jovens nas redes sociais. Já nos primeiros
dias, a cantora Charli XCX afirmou que "Kamala é 'brat'". O termo é uma
referência ao nome do álbum da cantora americana, que viralizou nas
redes no início de junho, e significa uma pessoa "rebelde".
Imediatamente a equipe de Kamala adotou o termo e passou a utilizar o
"verde brat" nas redes sociais da democrata. Vídeos com montagens de
Kamala dançando pipocaram no TikTok e a então possível candidata ganhou
apoio de nomes de peso da cultura pop, como Ariana Grande, Cardi B, John
Legend e Beyoncé, que chegou a autorizar o uso de sua música na
campanha da democrata.
Trump por outro lado ganhou dos democratas o epíteto de "creepy" ou
"weirdo", que significa estranho e bizarro em inglês. O termo foi
adotado pelo agora candidato a vice-presidente de Kamala, o governador
Tim Walz, e viralizou nas redes, causando preocupação na campanha
republicana.
"A Kamala é a primeira candidata em muitos anos que estimula o eleitor
mais jovem. Imagina aquele eleitor mais jovem teve nos últimos anos
Hillary Clinton e Joe Biden, e isso só falando dos últimos oito anos. O
eleitor que tem 18 hoje finalmente tem alguém que ele pode fazer um
meme, os demais candidatos não inspiravam isso", afirma Poggio.
Segundo os analistas, nessas um pouco mais de duas semanas em que Biden
desistiu da candidatura, Kamala ainda não cometeu erros na campanha, o
que ajuda na maré de sorte da candidata. Ela ainda não deu entrevistas
na imprensa e não se viu, ainda, confrontada em seus temas mais
sensíveis: migração e comunidade negra.
"Primeiro que houve um alívio muito grande com a saída do Joe Biden
dentro do partido democrata, e segundo que não cometeu nenhum erro na
campanha até agora, e tem esse fator da lua de mel que ela ainda está
vivendo com o eleitorado. Mas ainda estamos esperando se ela vai cometer
algum erro na campanha", continua Poggio.
Incentivar a participação
O desafio vai ser conseguir manter esse entusiasmo até 5 de novembro e,
principalmente, incentivar que o eleitor que se sente engajado agora vá
de fato votar. Ao percorrer o país fazendo entrevistas com potenciais
candidatas, jornais americanos como The New York Times e The Washington Post identificaram que mulheres e negros estavam mais animados com as eleições agora com Kamala.
Mas essa constatação empírica ainda não se refletiu nas pesquisas e os
próprios eleitores falam que têm preocupação com o passado da democrata.
O que de fato as pesquisas identificaram foi um interesse maior do
eleitorado geral, mas especialmente do democrata, em ir votar no dia 5.
Segundo uma sondagem da YouGov divulgada pela CBS News, 85% dos
democratas dizem que "definitivamente vão votar" contra 81% em 18 de
julho, antes da desistência de Biden. Já entre os republicamos, 88%
dizem que vão votar, contra 90% de julho.
"Isso é justamente a novidade da candidatura, uma energização da base
democrata e a possibilidade de que ela esteja trazendo de volta para a
eleição alguns grupos que estavam muito descrentes da candidatura de
Biden, principalmente uma faixa mais jovem de americanos que vivem na
periferia", explica a professora Cristina Pecequillo.
Entre o eleitorado negro, apenas 58% estavam determinados a votar em 18
de julho. Agora esse percentual subiu para 74%. Esses números por si só
não indicam mais votos para Kamala, mas historicamente o voto negro e
das mulheres tem favorecido democratas, então entusiasmá-los para votar
pode ser boa notícia para ela. Nas últimas eleições, a participação
eleitoral tem sido um player importante para os democratas.
"O quanto isso é sustentável? Aí eu acho que a gente só vai conseguir
medir depois da convenção democrata", continua a professora. "Até o
início de setembro ela deve manter uma tendência que é ou empatar em
algumas pesquisas ou passar, porque aí você tem todo o ritual da
campanha. A convenção vai ser o momento em que o partido democrata vai
demonstrar a união e vai apostar no 'nós contra eles'. Mas até o início
de setembro eu acho que a coisa vai estar mais favorável a ela".
"O grande problema da Kamala é se ela perder o eleitor mais velho que é o
eleitor que de fato vota, mas as pesquisas que saíram agora tem
comprovado que ela tem conseguido manter esse eleitorado mais velho"
observa Carlos Gustavo Poggio.
A escolha do vice foi interpretada como uma sinalização a esse
eleitorado que tendia a fugir da democrata. Apesar de ser da ala
progressista do partido Democrata, Tim Walz é um veterano da Guarda
Nacional e proprietário de armas que anteriormente representava um
condado rural e conservador. O governador foi quem viralizou ao chamar
Trump e seu companheiro de chapa, J.D. Vance de "creepy". Por outro
lado, ele já era governador de Mineapolis durante os protestos após a
morte de George Floyd.
Os tetos de vidro
Os riscos para Kamala é quando ela começar finalmente a se expor ao
público e à imprensa. Os analistas ressaltam que é um erro assumir que
ela teria o voto das mulheres e dos negros automaticamente por ser uma
mulher negra, especialmente quando este eleitorado acredita que ela
poderia ter feito mais por eles quando era promotora e
procuradora-geral.
"Ela como procuradora tem toda uma história de encarceramento de jovens
negros, além de ser vista como muito elitista para alguns grupos",
afirma Pecequillo. "A questão não é se esses grupos votariam ou não no
Trump, eles não vão votar no Trump, a questão é se esses grupos no dia
da eleição irão ou não votar".
Isso também vai depender de como a campanha de Trump vai reagir à
democrata a partir de agora. "Quanto mais agressivo Trump for, mais ele
afasta um eleitorado feminino que também é decisivo, mesmo que a mulher
não goste da Kamala, então isso ele vai ter que administrar", continua a
professora.
Outro momento crucial será quando ela começar a ser confrontada sobre
sua política de migração durante a vice-presidência. Depois do enorme
fluxo de migrantes na fronteira nos últimos anos, o assunto virou o
grande tema dessas eleições e um dos motores da campanha de Trump.
Com Biden, em 2020, o discurso era de ser mais humanista com o tema -
visto na verdade como muito liberal para os republicanos. Já Kamala não
conseguirá muito ir por esse caminho depois de dizer aos imigrantes, no
início do mandato, "não venham".
"Ela vai ter que ir para a esquerda, falando em esquerda no espectro
americano, mas ao mesmo tempo ela vai ter que dar uma sinalizada de que
não é essa progressista extrema que os republicanos estão colocando"
afirma a professora da Unifesp.
Vale lembrar que, apesar da mudança de tendência agora, Kamala era vista
como mais impopular que Biden durante quase toda a presidência.
"Ela é muito mal vista principalmente entre republicanos, se você ver a
convenção republicana o pessoal vaiava ela mais do que vaiava o Joe
Biden", observa Poggio. "Mas a questão é se ela vai ser capaz de
conquistar a independência e ativar a base democrata".
Fonte: Estadão conteúdo
Foto: Reprodução Instagram