O juiz instrutor do gabinete do ministro
do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, Airton Vieira, sugeriu
uma estratégia para evitar que o uso do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para
embasar investigações contra bolsonaristas se tornasse descarado. O plano foi
traçado em um áudio, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo.
O juiz auxiliar Airton Vieira, braço-direito do ministro do STF Alexandre de
Moraes
Publicado
"Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito
descarada, digamos assim. Como um juiz instrutor do Supremo manda (um pedido de
relatório) para alguém lotado no TSE e esse alguém, sem mais nem menos, obedece
e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato", diz Vieira no áudio.
Em nota, o gabinete de Moraes afirmou que, no curso dos inquéritos, fez
solicitações a inúmeros órgãos, incluindo o TSE. Segundo o magistrado, todas as
ações foram feitas seguindo os termos regimentais.
"Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente
documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral
participação da Procuradoria Geral da República", afirmou o ministro.
Moraes pediu relatórios para embasar decisões contra aliados de Bolsonaro
Na terça-feira, 13, a Folha revelou que a equipe de Moraes pediu constantemente
a um setor responsável pela investigação de desinformações do TSE a produção de
relatórios para embasar relatórios contra bolsonaristas que estão sendo
investigados no inquérito das fake news e no das milícias digitais. Há um fluxo
fora do rito, com a Corte Eleitoral sendo utilizada para nutrir o STF.
O jornal diz ter obtido o material com fontes que tiveram acesso a um aparelho
telefônico que contém as mensagens. São mais de seis gigabytes de mensagens via
WhatsApp trocados por funcionários do gabinete de Alexandre de Moraes entre
agosto de 2022 e maio de 2023.
Moraes pediu documentos probatórios sobre bolsonaristas que postaram ataques ao
sistema eletrônico de votação, aos ministros do STF e que incitaram os membros
das forças armadas que incitaram militares contra o resultado das eleições de
2022.
Braço direito de Moraes pediu que autoria dos pedidos fossem registrados como
do TSE, e não do STF
Em áudios trocados por Airton Vieira e Eduardo Tagliaferro revelados pela Folha,
o juiz instrutor destaca que é preciso que o pedido de produção do relatório
tenha como origem o TSE e não o STF, mesmo com os pedidos de Moraes via
WhatsApp.
Em um documento, Tagliaferro envia um relatório sobre um grupo chamado
"Brasil Conservador" com o timbre do STF. Em dois áudios, Airton pede
a mudança da autoria para o nome do TSE.
"Atualmente, o ministro passa por uma fase difícil, qualquer detalhe,
qualquer peninha pode virar amanhã ou depois mais um objeto de dor de cabeça
para ele. (...) Para todos os fins, fica de ordem dele, do Dr. Marco (Antônio
Martins Vargas, juiz auxiliar de Moraes no TSE), que ele manda enviar pra gente
e aí, tudo bem. Ninguém vai poder questionar nada, etcetera, falar de onde
surgiu isso, caiu do céu, a pedido de quem, etcetera", afirma Airton.
Em outro áudio, Airton diz a Tagliaferro que pensou em colocar o nome dele na
autoria do relatório. Porém, ele disse que desistiu da ideia porque ficaria
"estranho".
"Em um primeiro momento pensei em colocar o meu nome, de ordem do juiz
Airton Vieira, etc e etc. Mas, pensando melhor, fica estranho. Porque eu não
tenho como mandar para você, que é lotado no TSE, um ofício ou pedir alguma
coisa e você me atender sem mais nem menos", afirma o juiz no áudio
revelado pela Folha.
O juiz auxiliar cita que o rito correto, que não foi seguido pelo gabinete de
Moraes, seria solicitar relatórios e monitoramentos para o setor de
Tagliaferro. Vieira diz ainda que "ficaria chato" se descobrissem a
forma em que eles estavam atuando para embasar investigações contra
bolsonaristas.
"Embora saibamos que entre nós as coisas são muito mais fáceis justamente
porque temos um mínimo múltiplo comum na pessoa do ministro, mas eu não tenho
como, formalmente… Se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito
descarada, digamos assim", diz o juiz instrutor.
Segundo a Folha, em todos às vezes em que Vieira pediu a elaboração de
relatórios por parte de Tagliaferro, o perito seguiu as ordens do juiz
instrutor e encaminhou os documentos com o timbre do TSE, como se tivessem sido
produzidos a pedido do juiz auxiliar Marco Antônio Vargas.
Em outra conversa, Airton cita cobrança de Moraes por relatório contra
bolsonaristas
Em uma das conversas reveladas, Airton Vieira envia "um pedido de Moraes
para fazer relatórios a partir de publicações das redes" para o perito
Eduardo Tagliaferro, que comandava a Assessoria Especial de Enfrentamento à
Desinformação (AEED).
As redes sociais em questão eram a do blogueiro Paulo Figueiredo Filho e o
comentarista político Rodrigo Constantino. Os dois são conhecidos por apoiarem
o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Na troca de mensagens, Tagliaferro envia para Vieira uma primeira versão de
relatório. O juiz instrutor responde o perito com outras publicações e explica
que o pedido de incrementação partiu do próprio ministro do STF.
"Quem mandou isso aí, exatamente agora, foi o ministro e mandou dizendo:
'vocês querem que eu faça o laudo?' Ele tá assim, ele cismou com isso aí. Como
ele está esses dias sem sessão, ele está com tempo para ficar procurando",
afirma Vieira em um áudio
Um servidor do TSE respondeu Vieira declarando que o conteúdo do primeiro
relatório já era suficiente, mas que as alterações solicitadas por Moraes
seriam feitas.
"Concordo com você, Eduardo. Se for ficar procurando (publicações), vai
encontrar, evidente. Mas como você disse, o que já tem é suficiente. Mas não
adianta, ele (Alexandre de Moraes) cismou. Quando ele cisma, é uma
tragédia", diz a mensagem revelada pelo jornal.
O jornal diz que o relatório da AEED originou duas decisões de Moraes contra
Figueiredo Filho e Rodrigo Constantino. O magistrado ordenou a quebra de sigilo
bancário, bloqueio de redes sociais, intimações para depoimento na Polícia
Federal (PF) e o bloqueio das redes sociais.
Leia a nota do gabinete de Moraes na íntegra
"O gabinete do ministro Alexandre de Moraes esclarece que, no curso das
investigações do Inquérito (INQ) 4781 (Fake News) e do INQ 4878 (milícias
digitais), nos termos regimentais, diversas determinações, requisições e
solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior
Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a
realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação,
discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à
Democracia e às Instituições.Os relatórios simplesmente descreviam as postagens
ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de
estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais.
Vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras
conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências
necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República. Todos os
procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos
inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da
Procuradoria Geral da República."
Fonte: Estadão conteúdo
Foto: @observatorio3setor via YouTube