Meio Ambiente

A ciência, o dinheiro e o clima rebelado

A mudança do clima nada mais é do que a natureza devolvendo para a humanidade o resultado do tratamento que recebeu ao longo dos anos. Reciprocidade, ação e reação.

Mariluz Coelho/João Rami | Especial para o POD

14/07/2024 14:12

A bioeconomia como caminho de preservação (Direção: João Ramid e Wilson Paz)










As imagens da Floresta Amazônica em chamas, desta edição da Ver Amazônia, foram feitas pelo fotógrafo João Ramid, na década de 90. O registro mostra bem de perto a mata virgem sendo destruída, no Estado do Tocantins, divisa entre dois biomas - a Amazônia e o cerrado.


“Chegamos muito perto, mas, o calor vindo das chamas era quase insuportável. Meu sentimento foi de impotência diante do fogo que destruía a vegetação nativa. Hoje estamos colhendo o que plantamos nas décadas anteriores na nossa relação com a natureza”, contou Ramid, ao relatar um dos muitos momentos que presenciou de degradação ambiental no Brasil.


Lei do retorno


A mudança do clima nada mais é do que a natureza devolvendo para a humanidade o resultado do tratamento que recebeu ao longo dos anos. Reciprocidade, ação e reação.  É uma forma simples de dizer que a natureza não faz nada além do que temos feito por ela.


Foi com esse sentimento que a Ver Amazônia transitou nos corredores da reunião do G20, em Belém, e na 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Os dois eventos aconteceram simultaneamente na cidade da COP 30, na semana passada. Em pauta, nos dois lados, estavam as mudanças climáticas e a busca de soluções para combater as reações do clima rebelado. Mais que coletar e transmitir informações, fomos colher percepções e possíveis respostas.


Vale votar à Paris de 2015, na COP 21, quando foi estabelecida a primeira meta mais específica no sentido de colocar freio nas alterações climáticas. O principal resultado foi o Acordo de Paris, que estabeleceu como desafio manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2°C e de se empenhar para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. 


O 'Acordo de Paris', firmado em 2015, na COP 21 (Foto: Divulgação)


Limites ultrapassados


De volta ao presente, esta semana, a ONU divulgou que estamos há 12 meses consecutivos, incluindo junho de 2024, atingindo a temperatura média global de 1,5°C, acima da era pré-industrial. Segundo a Organização Meteorológica Mundial, OMM, é o 13º mês consecutivo de recorde mensal de temperatura. Estamos ultrapassando os limites do Acordo de Paris.


Além disso, segundo o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, da União Europeia, a temperatura média da superfície do mar para junho de 2024, nas latitudes fora dos polos, foi de 20,85°C, o valor mais alto já registrado para o mês. 


A OMM alerta que “mesmo nos níveis atuais de aquecimento global, já são observados impactos climáticos devastadores. Estes registros incluem ondas de calor mais extremas, chuvas e secas intensas, reduções de camadas de gelo, gelo marinho e geleiras, aumento acelerado do nível do mar e aquecimento dos oceanos”.


Entre a Amazônia e o cerado - o fogo destruiu a vegetação nativa na década de 90.


Busca por soluções 


Na SBPC, que ocorreu às margens do Rio Guamá, na Amazônia, a ciência reafirmou novamente o que vem dizendo desde sempre - e sem ser escutada como deveria pelas autoridades e pelas pessoas. Há uma certeza: o planeta está mexido e estamos colhendo agora os frutos das alterações climáticas. A pergunta é como fazer para adaptar, mitigar e socorrer as possíveis vítimas?  


Ciência de um lado, economia do outro. O G20, grupo que reúne os principais países industrializados e os emergentes do planeta, esteve também em Belém com o objetivo de conversar sobre as possibilidades de financiamento para implementar medidas de adaptação e mitigação dos efeitos da crise climática.

 

                                        

Reunião do G20 em Belém-PA (Foto: João Ramid)


Em 1999, quando foi criado, as alterações do clima não eram pauta na mesa de debates do G20. Hoje, a crise climática tornou-se assunto urgente no Fórum. O Grupo de Trabalho de Finanças Sustentáveis e a Força-Tarefa para Mobilização Global contra a Mudança do Clima, buscam recursos para enfrentar a crise ambiental mundial. 


O G20 aponta para a utilização de menos dinheiro público e mais recurso privado na mitigação dos efeitos das alterações do clima no planeta e buscar atingir os objetivos do Acordo de Paris. Entre a ciência, o dinheiro e o clima alterado, cabem reflexões e perguntas. 


Ministra Marina Silva, em Belém. (Foto: João Ramid)


Na reunião do G20, foi mencionado que precisamos de US$ 4 trilhões por ano para a transição climática. Na Reunião Anual da SBPC, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, sinalizou para um cenário que não pode mais esperar. “Nós já estamos vivendo sob os efeitos da mudança do clima, os efeitos extremos, é só olhar o que está acontecendo em vários lugares do mundo e no nosso próprio país”, afirmou a ministra. 


Então temos um paradoxo. Estamos batendo os limites de segurança mínima de aumento da temperatura do Acordo de Paris. Mesmo com dinheiro, fazer a transição climática não é tarefa fácil e rápida. Isso porque temos um modelo de produção econômica em vigor no planeta. Como redesenhar isso em um mundo com vulnerabilidades sociais extremas e um modelo de produção extrativo, arraigado e enraizado?  

  

“Todos nós sabemos que é preciso mitigar e adaptar. Mas, é preciso também transformar. Porque se não transformar o atual modelo de desenvolvimento, não tem adaptação e mitigação que dê jeito”, disse Marina Silva. 


A ministra, que costuma falar claramente o que pensa, abriu uma das entranhas do problema das mudanças climáticas no planeta. Isso porque, para adaptar e mitigar os efeitos da crise climática é preciso dinheiro sim. Porém, o desenho do modelo de desenvolvimento é o maior entrave para essa construção.  


Por isso, a COP da Amazônia, em Belém, terá peso e responsabilidades. Os 195 países membros, que irão firmar novos compromissos para conter a crise climática, estarão no coração da maior floresta do mundo para a governança dos riscos climáticas no planeta. 


Paris mais 10?


Governador do Pará, Helder Barbalho. (Foto: João Ramid)


Ao ultrapassar o limite de aumento em 1,5 °C na temperatura, nos últimos 12 meses, o sinal de alerta está acionado. “Nós estaremos em Belém sendo Paris mais 10, dez anos após o Acordo de Paris. Será o momento, inclusive, de revisitar as metas que foram estabelecidas, sejam metas ambientais, sejam metas econômicas. E será em Belém essa análise e essa avaliação”, disse o governador do Pará, Helder Barbalho, durante coletiva de imprensa sobre a reunião do G20. 


É preciso lembrar que a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas é uma espécie de “encontro de cavalheiros” - representantes de governos e sociedade civil – que travam batalhas com objetivos de firmar acordos em torno das mudanças climáticas no planeta, compromissos que não são cumpridos em sua integralidade.  


O governador Helder Barbalho, que se posiciona como liderança na Amazônia brasileira na busca de soluções para a crise climática, fala sobre esse passado de promessas não cumpridas. Isso inclui a COP de Paris. 


“Não precisamos chegar em Belém ou chegar na COP 30 para saber que muito pouco foi feito diante dos Acordos que foram firmados em 2015. E que, enquanto se fez muito pouco daquilo que se estabeleceu em 2015, o agravamento ambiental seguiu aquilo que a pesquisa apontava que aconteceria se não houvessem reações imediatas”, afirma o governador.  


Os países se comprometem, mas, nem sempre isso sai do papel. Na COP28, que ocorreu em Dubai, no final de 2023, o principal Acordo firmado na Conferência foi a necessidade de pôr fim aos combustíveis fósseis, em uma transição gradativa e justa. Pela primeira em uma COP, ficou escrito no Acordo entre os países membros a necessidade da virada energética, que já chega tarde. 


Então, como fica a disposição do governo brasileiro de autorizar nova frente para exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas? Uma área já apontada pelo Ministério de Meio de Ambiente como de risco para o patrimônio material e imaterial naquele pedaço da Amazônia. Significa risco para a biodiversidade e para a fonte de subsistência das pessoas. 


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FAROL COP 30 


Imagem aérea do Rio Madeira. (Foto: João Ramid)


Vulnerabilidades 

O problema do garimpo do Rio Madeira, atividade nociva para o meio ambiente, não é o único. Em toda a Amazônia, a pobreza e as vulnerabilidade sociais das populações levam os povos a buscarem atividades que degradam a floresta. 


COP 30 para quem? 

As ações dos países para enfrentar a crise climática ainda têm pouco impacto nos comportamentos das populações em todo o planeta. Nos países pobres a situação piora, já que as pessoas buscam sobrevivência e contribuir para a mitigação dos riscos climáticos não é uma prioridade. Só a Amazônia brasileira tem cerca de 28 milhões de habitantes. No mundo inteiro as pessoas seguem consumindo o meio ambiente e com pouca percepção do que acontece ao redor. 


Sem resposta

Ainda existem muitas perguntas sem respostas. A principal delas, talvez seja a mais importante no processo de gestão dos riscos climáticos: como envolver as pessoas na busca de soluções para a crise climática? 


Sinalização 

O governador do Pará, Helder Barbalho, tem sinalizado nesse sentido. Mas ainda há pouco na prática. “Há um diagnóstico e há uma oportunidade. O que nós estamos fazendo é mobilizando para que esta oportunidade não se perca, até porque na nossa geração talvez não tenhamos uma outra oportunidade nesta dimensão que esteja em tempo de poder responder às urgências climáticas”, afirma Helder Barbalho. 


COP da Amazônia?

A COP 30 será no Brasil e na Amazônia, que é composta por sete estados:  Amazonas (AM), Pará (PA), Acre (AC), Roraima (RR), Rondônia (RO), Amapá (AP) e Tocantins (TO). Até então, os movimentos feitos em torno da Conferência de 2025 não mobilizaram os demais atores amazônicos. A ciência também aponta que, para desenvolver, tem que envolver. Os debates na COP 30 serão sobre a vida de todas as pessoas, as que moram na Amazônia e a população mundial.  


Sem envolvimento 

Somos cerca de 8 bilhões no planeta. Até que ponto percebemos o que esta ocorrendo? Não tem como gerir risco sem envolver pessoas, que são os consumidores de plástico, petróleo, carvão, gás natural e muitos outros poluentes. Os países que mais poluem no planeta são também os mais ricos e os mais desenvolvidos. 


Percepção social

Para adaptar e mitigar os efeitos da crise climática é preciso mais do que dinheiro. Talvez o começo da transformação do modelo de desenvolvimento proposto pela ministra Marina Silva comece pelo fomento e estímulos da percepção social sobre os riscos climáticos que assombram o planeta. Enquanto isso não ocorre, o clima segue rebelado e sem nenhuma culpa. A natureza devolve o que recebe. 



VER AMAZÔNIA EM VÍDEO


A Ver Amazônia em Vídeo mostra como os investimentos em bioeconomia e nas pessoas da Amazônia podem contribuir para virar o ponteiro na crise climática. Direção de João Ramid e Wilson Paz. Confira o vídeo acima!






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